Ilhas Selvagens apresentam o ecossistema marinho mais intacto do Atlântico

Revelados resultados surpreendentes da expedição realizada pela National Geographic, Waitt Foundation e Fundação Oceano Azul

 

Em setembro de 2015, a National Geographic | Pristine Seas, a Fundação Waitt e a Fundação Oceano Azul realizaram uma expedição às Ilhas Selvagens, na Região Autónoma da Madeira, com o objetivo de avaliar o estado do meio marinho. Encontraram um ecossistema vibrante, equilibrado e com uma enorme diversidade de fauna e flora.

Nos arquipélagos do Atlântico Nordeste, que incluem os Açores, a Madeira, Cabo Verde e as Canárias, as ilhas Selvagens destacam-se pela natureza intacta que apresentam. Por serem mais remotas e desabitadas, podem ser comparadas com outras ilhas que têm níveis de impacto muito superiores, apesar de integrarem a mesma região biogeográfica. Com isso em mente, a equipa de investigação da expedição Pristine Seas comparou o estado de saúde do ecossistema marinho das Selvagens com o ecossistema marinho da ilha da Madeira, numa segunda expedição realizada em julho de 2016.

Deste estudo comparativo, resultou um artigo científico agora publicado no jornal científico “PLOS ONE” que revela resultados surpreendentes acerca do estado do ecossistema marinho da ilha da Madeira, densamente povoada e desenvolvida, em comparação com o da Reserva Natural das ilhas Selvagens, uma área marinha de proteção total até aos 200m de profundidade e com impacto humano direto reduzido.

 

FACTOS E RESULTADOS CIENTÍFICOS DA EXPEDIÇÃO

Foram efetuadas mais de 150 horas de mergulho para avaliar a abundância das espécies de peixes, algas e invertebrados bentónicos (animais que vivem junto ao fundo, como os ouriços-do-mar), em 29 locais na Reserva Marinha das ilhas Selvagens e em 36 locais na zona costeira da ilha da Madeira, a duas profundidades diferentes – 10 e 20 metros.

Várias espécies com valor comercial como garoupas, xaréus (charuteiros) e peixe-porco que se encontram sobre-exploradas nas ilhas adjacentes, são muito mais abundantes nas Ilhas Selvagens onde atingem também maiores dimensões.

A biomassa total de peixes costeiros é três vezes superior nas ilhas Selvagens do que na ilha da Madeira. A biomassa de predadores de topo nas ilhas Selvagens é 10 vezes superior.

A comunidade biológica da zona entre-marés das ilhas Selvagens foi descrita como sendo a mais intacta da região. De assinalar a abundância de lapas de grandes dimensões, que são raras em todas as outras ilhas da Macaronésia e se encontram praticamente extintas nas Canárias.

O ecossistema marinho costeiro das ilhas Selvagens encontra-se saudável, apresentando uma cobertura de organismos bentónicos equilibrada. Na ilha da Madeira existe uma cobertura de algas reduzida, dominada por espécies incrustantes e uma cobertura de 65% de ouriços-do-mar. As densidades elevadas de herbívoros, como o ouriço-do-mar, indicam desequilíbrios graves nos ecossistemas, como resultado, por exemplo, de uma intensa atividade pesqueira ou de outros impactos antropogénicos.

Apesar destes resultados, existem ameaças ao ambiente marinho das ilhas Selvagens que incluem a pesca ilegal e a pesca de grandes pelágicos, como o atum, nas zonas limítrofes à área desta pequena reserva. A área de proteção atual limita-se aos 200 metros de profundidade, existindo atividades de pesca muito próximas da zona costeira das ilhas Selvagens, o que resulta em impactos negativos para o ecossistema marinho.

A expedição identificou muitas espécies com interesse comercial ou de conservação nos ambientes marinhos costeiros, bem como no oceano profundo, à volta das ilhas Selvagens. No entanto, estes ambientes e espécies não se encontram atualmente protegidos.

A expansão da área marinha protegida da Reserva Natural das ilhas Selvagens garantirá que a zona costeira continuará a ser protegida, mas permitirá também proteger uma parte importante das espécies que habitam esta região do Atlântico Nordeste. Estas incluem, baleias, golfinhos, atuns, espadartes, tubarões e muitas aves marinhas, entre as quais a cagarra que apresenta a maior colónia do mundo nestas ilhas. Os cientistas pensam que com esta proteção adicional, ficam salvaguardadas as rotas de migração destas espécies pelágicas, bem como os ambientes do oceano profundo. Com uma reserva marinha de grandes dimensões na região, melhoram-se também os stocks pesqueiros, beneficiando-se assim a atividade da pesca nas áreas envolventes à reserva.

Os resultados obtidos sugerem ainda a necessidade de melhorar as medidas de gestão das pescas e a proteção das zonas costeiras na Madeira, nomeadamente aumentando as áreas marinhas protegidas para que o ecossistema marinho recupere e, dessa forma, se fortaleça o capital natural marinho, essencial para sustentabilidade das atividades da ilha.

A Reserva Natural das Selvagens poderá servir como exemplo sobre como proteger um dos últimos redutos selvagens do planeta antes que seja demasiado tarde. Permitirá ainda a recuperação de espécies que são alvo de pesca e que se encontram hoje com problemas de sustentabilidade. A expansão significativa da reserva é essencial para garantir a conservação do vibrante mas frágil ecossistema marinho, protegendo-o contra os impactos da sobrepesca e das alterações climáticas.

Conheça o artigo científico publicado no jornal PLOS ONE